A utilização de materiais e técnicas locais é, indubitavelmente, uma das características mais relevantes da arquitetura vernácula, sendo também um fator identitário e de diferenciação regional [1-2]. Em traços gerais, pode-se afirmar que onde existe pedra constrói-se com esta, onde escasseia constrói-se com terra, adobe ou tijolo, madeira ou outros materiais vegetais [3]. Os materiais utilizados pelas populações cingiam-se apenas às propriedades geológicas do local onde se implanta o edifício. Mesmo em zonas de fronteira geológica são raros os casos de construções com pedra da região vizinha, já que os parcos recursos económicos das populações não lhes permitia aceder a materiais que não fossem os de aprovisionamento local [1-2].
Com a Revolução Industrial, e mais tarde com o Movimento Moderno, a utilização crescente dos novos materiais industrializados e padronizados conduziu à homogeneização dos diversos modos de construção, até então dependentes dos materiais disponíveis localmente.Atualmente, através das avaliações de ciclo de vida de materiais é possível constatar que a maioria dos materiais com processamento industrial requere uma elevada intensidade energética e possui impactes ambientais consideráveis. Por outro lado, o uso de materiais e técnicas alternativas, como as vernáculas, contribuirá para a redução da energia incorporada na construção de um edifício e consequentemente dos impactes ambientais inerentes [4-6]. Estas questões são particularmente relevantes para o setor da construção, um dos setores da economia mundial com maior consumo de energia e responsável por cerca de um terço de todas as emissões de dióxido de carbono [7]. Adicionalmente, é um dos maiores consumidores de matérias-primas — algumas com previsão de reservas para apenas algumas dezenas de anos [8].
Neste contexto, a utilização de materiais e técnicas locais, evidenciada nos exemplares de arquitetura vernácula, apresenta do ponto de vista da sustentabilidade algumas vantagens que importa realçar: são materiais locais no âmbito mais restrito de abrangência territorial, não necessitando de transporte; necessitam de pouco processamento e consequentemente possuem baixa energia incorporada e reduzidas emissões de dióxido de carbono; são materiais naturais, muitas das vezes orgânicos, biodegráveis e renováveis, enquadráveis num ciclo de vida “do berço ao berço”; com reduzidas necessidades de manutenção ou com manutenção de baixo custo [1-2]. Outra vantagem reside em muitos destes materiais usarem no seu processamento mais mão de obra e sol que energia fóssil [9]. No que concerne aos apectos ambientais, é apresentada na Figura 1 uma breve comparação entre materiais locais e materiais industriais ao nível de dois indicadores — Energia Incorporada e Potencial de Aquecimento Global — por forma a salientar o potencial dos primeiros no contexto atual [1-2]. Em última análise, a promoção do uso de materiais locais poderá gerar emprego e fortalecer as economias locais. Pelos motivos descritos, os materiais e técnicas locais têm um grande potencial de serem aperfeiçoados e aplicados a construções contemporâneas de cada região [1-2].
As avaliações de ciclo de vida (ACV) de materiais apresentam grande complexidade, sendo difícil descrever todos os impactes associados a estes desde a extração da matéria-prima até à deposição do material em aterro no fim de vida (“do berço ao túmulo”) [9]. O uso de materiais com origem em locais muito remotos tornam mais difícil a perceção entre a causa (ex: o uso na Europa de painéis de madeira da floresta tropical) e o efeito desse uso (ex: a deflorestação da Amazónia e a deslocação de comunidades e consequente extinção de espécies), que uma situação mais próxima como o uso intensivo do carro e o aumento da poluição [9]. Neste sentido, e porque no âmbito dos materiais vernáculos o contexto local é determinante para o rigor das análises de ACV, o projeto reVer deu os primeiros passos no desenvolvimento de uma base de dados que integrará as análises ACV de materiais tradicionais usados na arquitetura vernácula portuguesa, e cujos primeiros resultados são agora divulgados (Tabelas 1 e 2).
Tabela 1. Avaliação dos impactes ambientais da extração e transformação do Granito
Tabela 2. Avaliação dos impactes ambientais da produção de Taipa e BTC
Referências
[1] J. Fernandes, “O contributo da arquitectura vernacular portuguesa para a sustentabilidade dos edifícios,” Universidade do Minho, 2012. ver | descarregar
[2] J. Fernandes, R. Mateus, and L. Bragança, The potential of vernacular materials to the sustainable building design. Vila Nova da Cerveira, Portugal: CRC Press, 2013, pp. 623–629. ver | descarregar
[3] E. V. Oliveira and F. Galhano, Arquitectura Tradicional Portuguesa. Lisboa: Publicações Dom Quixote, 1992.
[4] B. . Venkatarama Reddy and K. . Jagadish, “Embodied energy of common and alternative building materials and technologies,” Energy Build., vol. 35, no. 2, pp. 129–137, Feb. 2003.
[5] A. Shukla, G. N. Tiwari, and M. S. Sodha, “Embodied energy analysis of adobe house,” Renew. Energy, vol. 34, no. 3, pp. 755–761, Mar. 2009.
[6] J. G. Sanz-Calcedo, M. F. Luna, and R. C. Soriano, “Evaluation of the efficiency to use sustainable classical techniques on the modern construction,” in BSA 2012: 1st International Conference on Building Sustainability Assessment, 2012, pp. 667–675.
[7] D. Ürge-Vorsatz, L. D. Danny Harvey, S. Mirasgedis, and M. D. Levine, “Mitigating CO2 emissions from energy use in the world’s buildings,” Build. Res. Inf., vol. 35, no. 4, pp. 379–398, Aug. 2007.
[8] B. Berge, The Ecology of Building Materials, 2nd ed., vol. null, no. null. Oxford: Elsevier, 2009.
[9] P. Sassi, Strategies for Sustainable Architecture. London: Taylor & Francis Ltd, 2006.
[10] J. Fernandes, R. Mateus, and L. Bragança, “The contribute of using vernacular materials and techniques for sustainable building,” in International Conference SB13 Portugal – Sustainable Building Contribution to Achieve the EU 20-20-20, 2013, pp. 269–278. ver | descarregar
[11] L. Bragança and R. Mateus, Avaliação do Ciclo de Vida dos Edifícios - Impacte Ambiental de Soluções Construtivas. iiSBE Portugal, 2011.
(Página em desenvolvimento)